Ao longo do sagrado Rio Ganges: Varanasi e Rishikesh
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Ao longo do sagrado Rio Ganges: Varanasi e Rishikesh

Como duas cidades podem ser tão iguais e tão diferentes ao mesmo tempo? Ambas sagradas por se situarem às margens do rio Ganges, são cidades que atraem pelo seu espiritualismo e pela fé das pessoas que lá vivem.

Mas também podem ser totalmente antagônicas se considerarmos o caos de Varanasi e o oásis de Rishikesh.  

Varanasi é uma das cidades mais antigas do mundo, superpovoada, tem mais de 3 milhões de habitantes. Nossos dias em Varanasi foram intensos, tudo na cidade era em overdose. Muita sujeira, lixo, barulho, trânsito, coco de vaca no meio das ruas, ratos passando, falta de energia, e situações de extrema miséria. Mas, além disso, também tinha muita história, templos, espiritualidade e, principalmente, fé.

Varanasi é o local em que a maioria dos indianos deseja ser cremado, pois acreditam que ela representa a destruição de tudo que existe para a perspectiva de um novo começo. A maioria dos indianos acredita que quem morre em Varanasi não precisa mais reencarnar, ou seja, voltar a sofrer em outras vidas. A menos de 50 metros de distância de onde vimos os corpos sendo cremados e levados pelo rio, vimos pessoas tomando banho, crianças brincando na água, e até gente bebendo a água deste tão controverso Rio Ganges. Admito que é difícil observar tudo isso em meio a tanta pobreza, sujeira, um cheiro terrível e total falta de higiene. A fé desse povo no poder das águas do Ganges é imensa e não há obstáculos para alcançar seu objetivo. A água parda do Ganges representa para eles a mãe purificadora que acolhe e limpa seus pecados. Eles preferem dizer que o rio está “doente”, ao invés de poluído.

Com o aumento do turismo, numa região de extrema pobreza, vale tudo para conseguir um dinheirinho: “holy man” oferecendo bênçãos, homens pintados e vestidos como deuses pousando para fotos, limpadores de ouvido, homens que de um simples aperto de mão se transformam em massagistas, barqueiros oferecendo passeio pelo rio e vendedores de tudo, tudo mesmo (inclusive haxixe e outras drogas).  

Caminhar pela cidade é outra grande aventura. O labirinto de pequenas ruas, super estreitas, repletas de lojas e restaurantes as vezes pode ser um pouco assustador mas é melhor forma de conhecer seus arredores. Encontramos boas surpresas quando nos perdemos nestas ruas: ótimas padarias (German Bakery e Brown Bread) e o melhor lassi que tomamos na Índia (Blue Lassi). Para quem não conhece lassi, é uma espécie de iogurte que pode ser misturado com frutas frescas. 

A gente ficou algum tempo sentados nas escadas de um dos ghats à beira do Ganges observando tudo que acontecia ao nosso redor e vou confessar que foi a coisa mais interessante que fizemos na cidade. É justamente esse caos espiritual que torna a cidade tão interessante e aguça a curiosidade dos turistas. Por mais que eu tente descrever, só estando lá para mergulhar numa mistura de sentidos, valores e crenças que fazem de Varanasi uma cidade de amor e repulsa ao mesmo tempo.

Já Rishikesh é uma cidade bem pequenininha e não superpovoada como Varanasi. É uma cidade bem escondidinha que, mesmo estando à 240Km de Nova Deli, pode-se levar mais de 8 horas de ônibus para chegar lá, por causa das terríveis condições das estradas.  

Rishikesh ganhou fama depois que os Beatles fugiram para lá em um retiro espiritual em 1968. Naquela época o mundo tentava encontrar no mapa essa pequena cidade no norte da Índia, aos pés do Himalaia e na fronteira com o Nepal. Em um grupo de 60 pessoas, incluindo amigos, esposas e namoradas, eles passaram uma temporada de meditação transcendental durante quase 2 meses em um Ashram da cidade, que já não existe mais.

Ashram é uma palavra sânscrita que significa local tranquilo no meio da natureza usado para fins espirituais. Um local de retiro, meditação e prática de Yoga. Rishikesh passou a despertar o interesse de muita gente, não somente pelos seus diversos ashrans, mas por ser banhada pelo Rio Ganges, assim como Varanasi. Com uma pequena diferença, o Ganges em Rishikesh é limpíssimo e tem águas transparentes, já que a cidade se situa próxima a sua nascente.

Depois dos Beatles, muitos artistas vieram para Rishikesh buscar inspiração para suas composições. No nosso primeiro dia na cidade tivemos o prazer e sorte de almoçar com Arnaldo Antunes, sua esposa e uma amiga. Com o restaurante lotado, o garçom perguntou se nos importaríamos em dividir a mesa e para nossa surpresa tivemos um convidado para lá de ilustre.

Ficamos 8 dias em Rishikesh, incluindo 3 dias no Parmarth Niketan Ashram, uma experiência incrível que recomendo para qualquer um que venha visitar a Índia.

Assim como em Varanasi, todos os dias durante o pôr do sol é possível acompanhar a cerimônia Ganga Havan & Aarti que acontece na margem do Rio Ganges. Em Rishikesh, a cerimônia é menor, menos gente, mas exatamente por isso foi mais contagiante para mim.

Mais do que o ritmo suave e o clima de paz e boas vibrações, o que mais me emocionou foi ver pessoas de diferentes raças, credos e crenças se emocionando junto comigo. Não importava a língua que falamos, a forma de se vestir, o jeito de cantar a música, naquele momento éramos todos iguais.

Tivemos a honra de ver a cerimônia com a participação do guru espiritual Pujya Swamiji, presidente do Ashram em que estávamos hospedados. E melhor do que isso foi participar de um papo aberto com ele e a sábia Sadhvi Bhagawati, no Ashram. Todo tipo de pergunta era bem-vinda porque a sabedoria e o aprendizado estavam em todas as respostas.

Antes de chegar na Índia, ouvi muitas coisas a respeito do país e de suas cidades, e a maioria delas eram contraditórias. Uns diziam ter tido uma experiência inesquecível na Índia e chegaram a morar por meses aqui. Outros relatando suas experiências horríveis e como não queriam nunca mais voltar no país. Visitando essas duas cidades eu consigo entender um pouco desses dois lados. Mas também entendo que conhecer só um lado dessa história não te dará a mesma experiência do que ambas as partes juntas.

Claro que a Índia é um país enorme, o norte é diferente do sul, que é diferente do leste e do oeste. Escolhi o exemplo dessas duas cidades porque sua semelhança antagônica resume o sentimento que ferve de emoções a cada cidade que passamos. Seja pelo inusitado e pelo absurdo, ou pela beleza e pela fé.

 

Referências:

http://curtadoc.tv/curta/espiritualidade/varanasi-india-sagrada/
http://www.almadeviajante.com/viagens/india/varanasi.php
http://viagem.uol.com.br/noticias/2012/02/24/entre-entulhos-e-turismo-improvisado-saiba-o-que-restou-do-local-de-meditacao-dos-beatles-na-india.htm
http://www.parmarth.com/

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