Camboja: marcas do genocídio
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Camboja: marcas do genocídio

Confesso que antes de visitar o Camboja, sabia pouco sobre a história do país, mas depois de conhecer de perto e ouvir as histórias sobre o genocídio que marcou a década de 70, fiquei pensando na população que vive hoje no país e suas condições de vida.

Criado por volta de 1969, o Khmer Vermelho (Partido Comunista do Camboja) era uma pequena guerrilha comunista composta por cerca de 4 mil membros, que atacava postos militares isolados. Mas, em 1975, sob a liderança de Pol Tot, ganhou força e dominou o país até 1979. O maluco do ditador Pol Tot matou mais de um terço da população do país durante esse período, tudo para implementar um novo regime comunista radical. Sua estratégia era simples: eliminar as pessoas inteligentes e dominar os menos favorecidos para seguir suas ordens.

Pol Tot formou seu exército com jovens camponeses do interior do país (que não tinham estudos e que tinham uma visão muito limitada do mundo), prometendo uma vida igualitária, comida e um futuro próspero.

Aproveitando o pretexto da guerra no Vietnã, Pol Tot disse que os EUA iria bombardear a capital e pediu para que todos evacuassem a cidade. Foi quando tomou o poder, expulsando Lon Nol, o primeiro-ministro do país.  Visando estabelecer seu regime comunista totalitário, mandou matar qualquer pessoa que tivesse instrução, incluindo, intelectuais, artistas, professores, engenheiros e médicos.

As pessoas eram enganadas e levadas para os chamados “Killing fields”, ou campos da morte. Eram mais de 200 pelo país. Chegavam, faziam seu registro e logo após eram levadas para um alojamento onde eram mortas de forma cruel e assustadora. Eles não usavam armas porque a munição era cara frente a quantidade de pessoas. Matavam com facas, machados e outros instrumentos.

Em Phnom Pem, fomos ao “The Killing Field”, chamado “The Choeung EK Genocidal Center”, e ao Toul Sleng, que antigamente era uma prisão e campo de tortura, e hoje abriga o Museu do Genocídio. É um passeio que deixa qualquer um abalado. No campo da morte, vimos uma árvore famosa por ser utilizada como parede para esmagar a cabeça de crianças e bebês. A crueldade era espantosa!

A visita é muito bem organizada, e pelo guia de áudio é possível escutar depoimentos e histórias da época, além das informações sobre o lugar. O difícil é segurar a emoção em um lugar com histórias mais espantosas do que filme de terror.

Famílias inteiras eram mortas, para que não sobrasse ninguém que pudesse querer vingança. Muitas pessoas eram torturadas até confessarem os "crimes" que não tinham cometido. Sim, a maioria assinava confissões falsas para se livrar da tortura e morrer logo. Nos registros, há muita gente confessando ser agente do FBI ou da CIA.

Apenas os camponeses “puros” e “não-corruptos" eram levados para os campos de concentração para trabalharem como escravos. Claro que as condições eram as piores possíveis e muitos morriam de fome ou de doenças diversas. Em resumo, para viver você tinha que ser muito esperto para se fingir de bobo. 

 Em 1979, as tropas do Vietnã invadiram o Camboja, terminando com o terror e as severas violações dos direitos humanos, revelando ao mundo as atrocidades cometidas pelo Khmer Vermelho. Ainda houveram conflitos políticos até 1997, mesmo com a interferência da ONU em alguns momentos. Além disso, ainda há líderes do Khmer Vermelho que estão sob julgamento.

O que me deixou mais abalada foi pensar que tudo isso aconteceu faz pouco tempo. Hoje, qualquer pessoa com mais de 35 anos ou era vítima, ou executor ou fugitivo. Imagina a cabeça dessas pessoas ou sua bagagem histórica. Depois de tantas mortes, como reconstruir suas vidas? Como reconstruir o país, considerando que as pessoas mais instruídas eram mortas, quem é a população de hoje? Quem são os professores que dão aulas nas escolas do Camboja atualmente? Que tipo de educação as crianças estão tendo acesso?

Confesso que essas perguntas me deixaram angustiada e não tenho a resposta para elas. Tudo isso fez com que eu olhasse o país com outros olhos, enquanto estávamos conhecendo suas cidades.

De acordo com uma pesquisa do Centro de Direitos Humanos da Universidade da Califórnia, em Berkeley, atualmente, praticamente 70% da população cambojana têm menos de 30 anos, e quatro em cada cinco membros dessa jovem geração sabem pouco ou nada acerca dos anos do Khmer Vermelho.  Ou seja, a população, extremamente jovem, desconhece a história de seu país, talvez porque as cicatrizes ainda sejam muito recentes.

Segundo a Unesco, a taxa de pessoas que sabiam ler e escrever no Camboja em 2008 era de 77,6% da população. A diferença entre homens e mulheres chama a atenção: 85,1% dos homens e 70,9% das mulheres. Dados mais recentes da Unicef mostram um aumento das taxas de alfabetismo em 2013, para 88,4% entre os homens e 85,9% entre as mulheres. Nas áreas rurais, ainda há um maior número de pessoas analfabetas pois a carência e falta de recursos faz com que as crianças trabalhem desde de cedo, ao invés de ir para escola.

Com uma população tão jovem e o aumento do turismo trazendo cada vez mais oportunidades para o desenvolvimento do país, educação é a chave para um futuro melhor. Será que pelo menos uma vez na história as guerras políticas podem dar espaço para a educação?

A cada país que visito fico mais decepcionada com os seres humanos, mas ainda tenho forças para acreditar que podemos virar esse jogo.

Referências:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Genoc%C3%ADdio_cambojano
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1089888-5602,00-JOVENS+DESCONHECEM+HORRORES+DO+KHMER+VERMELHO+NO+CAMBOJA.html
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/historia/34870/hoje+na+historia+1975+-+capital+do+camboja+cai+nas+maos+do+khmer+vermelho.shtml
http://www.unesco.org/new/en/phnompenh/education/learning-throughout-life/literacy/
http://www.unicef.org/infobycountry/cambodia_statistics.html

 

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